Os brinquedos não tem sexo (género)!
Está quase na hora dos pais começarem a entrar pela porta do infantário, para buscarem suas crianças. O Gabriel veio ter comigo e pediu-me para lhe colocar o vestido de princesa rosa. Assim fiz a sua vontade. Rodopiava com o vestido e ria muito. Na secção do ”social corner”, pegou ao colo um nenuco, embalando-o gentilmente.
Da porta, ouvi uma voz masculina dizendo:
– Mas o que é isso? Porque é que o meu filho está vestido de menina e com uma boneca ao colo?
Sua voz vinha carregada de masculinidade agressiva e assustada. Mandou o filho despir-se, atirou o nenuco para o lado e pediu satisfações à líder de equipa. Pensou em fazer queixa. Achou que estávamos a incentivar à modificação da identidade do Gabriel.
Eu não sou mãe, não sou psicóloga e muito menos sou uma expert. Sou apenas uma educadora de infância e uma assistente de festas infantis.
Quem trabalha com crianças, e lida com o EYFS, sabe bem que no PSED (desenvolvimento pessoal, social e emocional), brincar com nenucos/bonecas, faz desenvolver o senso de preocupação com os outros, a importância das práticas de hábitos, higiene e cuidados para consigo próprio e para com os outros, desenvolve a capacidade de entender a influência que pode ter nos outros, e os outros para consigo. Suscita a curiosidade para os processos de relações interpessoais e ainda, desenvolve autoconfiança.
Não é pelo facto de um menino brincar com bonecas, e uma menina brincar com carros, que se vai distorcer a sua identidade. Sempre se agrupou os brinquedos, de forma a dividir os sexos. Brinquedos não têm sexo. O chamado role-play, onde as crianças podem escolher a roupa ou o disfarce que querem usar, não vai determinar as suas opções sexuais no futuro.
Nós adultos tratamos logo de pôr rótulos em crianças e somos nós adultos, que acabamos por acreditar tanto nesses rótulos e lhes damos vida, reforçando o preconceito.
É preciso dar liberdade à criança…para ser criança. Para brincar. Para explorar.
O medo que vi nos olhos desse pai, assustou-me até a mim. Este tema tem de deixar de ser tabu. É preciso que se olhe para as coisas de outra forma, que se deixe de criar histórias onde não existem. Um menino brinca com boneca, veste um vestido e põe um sapato? Está a brincar, ponto. A menina brinca com carros, gosta de jogar à bola? Está a brincar, ponto.
Os brinquedos não são feitos para determinar a sexualidade. Os brinquedos servem para desenvolver a capacidade de perceção, de criatividade e observação.
Os pais devem fazer as crianças entenderem a diferença entre masculino e feminino, mas não passar a imagem de insegurança, de medo e de repugnância. É importante que os pais saibam respeitar as escolhas das crianças e as percebam, sem as julgar. As crianças não sabem que nós adultos já estamos a imaginar e não têm a clara noção que a sociedade os julga por terem que escolher brinquedos de acordo com o que a sociedade entende ser o correto.
Não ensine aos seus filhos o preconceito sobre o que é diferente.
Os brinquedos não têm sexo. As crianças brincam porque querem explorar. O seu filho não se tornará num homossexual por brincar com nenucos. O seu filho vai aprender a cuidar do próximo, a tornar-se uma pessoa mais tolerante e a respeitar os outros. O seu filho não se tornará num homossexual por vestir um vestido. Ele desenvolve a sua criatividade e imaginação, o seu poder de imitação, quem sabe descobre o gosto pela dança ou pelo teatro…
Uma menina também não se tornará homossexual por jogar à bola. As suas capacidades físicas desenvolvem-se, o gosto pelo desporto também.
Sejamos mais mente aberta e deixemos as crianças serem crianças. Explorar, brincar e acima de tudo, serem felizes!
Image by Markus Spiske.