Quadros de Honra?
Desde há algum tempo, os quadros de honra fazem parte das escolas (felizmente, não de todas) e, consequentemente, das famílias (algumas!).
Instituiu-se este método como um reforço positivo às boas notas e um incentivo ao empenho, para quem não as alcança.
Atente-se ao facto de que pertencer ao quadro de honra implica nunca escorregar do patamar das “boas notas” abaixo, ou seja, não é permitido falhar – há uma nota mínima definida!
Esta modalidade das escolas, com o objetivo de promover e parabenizar a excelência de uns, e despertar o interesse e empenho de outros, é uma falácia! Nem os que conquistam o estatuto precisam da pompa com que são brindados, nem os demais se empenham mais para alcançar essa meta.
Educar para a excelência académica, sim ou não?
Os quadros de honra acabam por passar duas grandes e erradas mensagens. Uma é a de que não se deve falhar. Como se a vida se escrevesse toda em papel imaculado, sem nódoas ou riscos; como se fosse possível crescer, de modo harmonioso e sereno, sabendo que não pode errar-se.
A outra a é a de fazer estes miúdos acreditarem na excelência do seu potencial. É sabido que, para pertencer ao quadro de honra, têm de ter, no limite, a nota mínima, em todas as disciplinas. E é possível ser bom a tudo?
Alguns destes miúdos, na sua sábia capacidade de ler nas entrelinhas, percebem que a sua inclusão no quadro de honra, se deve a batotices dos professores que, naquelas disciplinas que são os parentes pobres do currículo académico (música, E.T., E.V., Educação Física, etc), sobem as notas dos alunos para compor o ramalhete junto dos “parentes ricos” (matemática, português, etc…).
Tendo o nosso sistema de ensino como lema privilegiar o “ouve, regista e repete” (promovendo mais papagaios do que seres pensantes), deixar os miúdos acreditarem na sua excelência, encerra o erro de os frustrar no futuro – fora da escola, o sucesso é ditado por uma maior multiplicidade de fatores, sendo que muitos desses fatores fogem do controlo de ação de cada um.
Educar para a excelência académica, é não preparar esses supostos excelentes a lidar com a frustração de errar. E vive-se sem errar? Aprende-se sem falhar?
A competitividade promovida nos moldes errados
O que se ensinamos com estes quadros de honra? Preparamos as crianças para a vida profissional? Ou condicionamo-las a acreditar numa realidade ilusória que, quando confrontados com o mundo real, e com as vicissitudes do quotidiano, se amedrontam; se diminuem; se sentem invadidos por uma ansiedade para a qual, na maioria das vezes, não desenvolveram recursos para gerir?
Paralelamente, também não preparamos para o mercado de trabalho e para uma vida em sociedade mais equilibrada, quando, a título da excelência, se promove a competitividade em excesso.
O desejo de pertencer e manter este patamar de mérito, promove uma maior competitividade, o que acaba por perder-se em cooperação com os pares. O mais alarmante é perceber que se criam seres que olham muito para os outros, mas não pelos outros. Olham para os outros como se estivessem em constante corrida e tivessem de manter o rival debaixo de olho – porque quem baixa a guarda, perde velocidade.
A competitividade é importante e saudável.
Cria o desafio que nos impele a prosseguir caminhos e que, com isso, nos desenvolve; acrescenta conhecimento e fornece recursos. No entanto, a competitividade deverá ser estimulada do ponto de vista interno. Não tanto na comparação com os outros mas, antes, como posso desafiar-me a procurar novas metas.
Não será de maior louvor fazer com que os miúdos, por si, reconheçam as diferenças relativamente aos demais, e ajudá-los, individualmente, a quererem superar-se a si próprios, em vez de competir com a nota do colega? Despertar-lhes a motivação pela superação pessoal, conquistando o orgulho, mais do que a vaidade, como diz o professor Eduardo Sá. Até porque as notas não traduzem inteligência, nem conhecimento. E também não predizem o sucesso da caminhada profissional.
Reforço, reconhecimento e resultados
O reforço positivo deve sempre surgir como gratificação do esforço, refletindo-o. Na infância / adolescência, o reconhecimento dos adultos / cuidadores tem uma dimensão de relevo. Serve de fio condutor da postura a manter / ter / criar. Na escola, e falando especificamente sobre o desempenho escolar, o melhor reforço positivo a ter são as notas, somado ao apoio dos familiares próximos. E basta!
Verdade seja dita que, nem sempre a nota é diretamente proporcional ao empenho. Ainda assim, poderá servir de reflexão sobre o facto incontornável de as nossas vivências não estarem sob o nosso controlo total.
Devemos deixar de enaltecer resultados e focarmo-nos nos processos:
- ensinar a escutar (a si e aos outros);
- aprender o prazer da autonomia e da responsabilidade;
- despertar a motivação pelo conhecimento. (Na humildade de que a diferença do outro é um valor acrescentado, e não o querer ser melhor);
- promover a aprendizagem através do erro, em vez de querer colmatar a falha por antecipação (ex: fazer trabalhos pelos filhos; fazer-lhes os resumos…).
Mais do que preconizar quadros de excelência, urge que se preconize a inteligência emocional. Mais do que louvar o desempenho cognitivo em exclusivo, impera a importância de promover o equilíbrio entre a razão e a emoção.
De que serve o 20 a matemática se não tiver prazer num convívio social?
Precisamos com urgência que os miúdos desenvolvam a empatia – que se reconheçam na felicidade e na dor do outro; que descodifiquem as suas emoções; que consigam parar para pensar, sem fugir para o evitar; que aprendam a respeitar o espaço dos outros, reservando o direito à opinião de cada um, sem que isso implique conflito; saber conviver com a diferença e aceitá-la pacificamente, seja de ordem física, atitudinal, religiosa, etc.
Neste mercado globalizado, a multiculturalidade das equipas, exige inteligência emocional. E, se o foco nas matérias escolares for excessivo, alguma coisa fica por aprender e por treinar… A base do trabalho em equipa é a capacidade de escutar os outros, compreender e saber dialogar e ceder. Isto requer discussão de diversas perspetivas / áreas. E não é uma competição!
Grandes empresas começaram já a cruzar informação dos resultados obtidos na avaliação de desempenho dos seus profissionais, contratados pelo mérito. A conclusão a que têm chegado é não existir qualquer relação entre o bom aluno e o bom profissional. Ou seja, enquanto têm passado uma vida a recrutar para os seus quadros com base na seleção dos melhores resultados académicos, percebem agora que este crivo tem conduzido os melhores profissionais para a concorrência.
Que propósito servem, afinal, os Quadros de Honra? Não sei!…