Telemóvel: Como terminar com a relação mais tóxica das nossas vidas
Um dos capítulos do livro “Ser Feliz Todos os Dias” falo sobre o estranho concurso da felicidade que são as redes sociais.
Já nos chegava a comparação com quem está à nossa volta (aquela colega de trabalho que traz sempre as mãos arranjadas ou aquela mãe de cinco filhos que parece ter tempo para ir ao ginásio e comer comida saudável). Mas agora temos as redes sociais. Quando por lá andamos para nos distrair a ver a vida dos outros, acabamos por dar mais uma facadinha na nossa auto-estima (…) Mas não devemos comparar a nossa realidade (imperfeita, imprevisível, com falhas e desafios) com a realidade distante. São vidas editadas, irreais.
As redes sociais abriram as portas para este bizarro mundo e tornaram-nos dependentes dos nossos telefones. Somos viciados. Dezenas de notificações são capazes de cair no mesmo minuto. O chat passa a vida a apitar. Há só mais uma fotografia para editar. E depois likes para acompanhar e comentários para responder.
Ainda onde, enquanto vos confessava que nem todos os dias ficam bem na fotografia, pensava na relação com o telemóvel. Há memórias que ficam só a cabeça e há dias em que esqueço o telemóvel em cima da cómoda no quarto. Comecei a desligar porque passava demasiado tempo a olhar para o ecrã, a dar atenção àquele mundo e a ignorar o que estava à minha volta.
A Catherine Price do “New York Times” escreveu sobre isto. Decidiu “acabar” com esta relação de dependência que dependência no dia em que, a dar de mamar à filha, percebeu que estava a perder momentos e a deixar de reparar em pormenores daquele bebé que a observava e que estava a crescer. De acordo com a Moment, uma aplicação que regista o tempo passado no telemóvel, um utilizador médio gasta quatro horas por dia a interagir com o telefone. Quatro horas. Em média.
Para conseguir fazer um detox eficaz e sólido, sem riscos sérios de ter recaídas, estudou o problema. O objetivo não era deixar de usar o telefone, mas antes criar uma relação que fosse nova, sustentável e saudável. Dois anos depois conseguiu e explica quais é que são as nove regras principais para tornar isto possível a longo prazo.
9 regras para acabar com o telemóvel
1. Reformular a forma como pensam em não usar tanto o telefone
O erro começa aqui: “Várias pessoas associam passar menos tempo no telefone com uma negação de prazer que impõem a elas mesmas. Quem é que gosta disso?”. Eu respondo: ninguém. O truque está em pensar o contrário: “O tempo que passam no telefone é tempo em que não se estão a dedicar a outras atividades [reais] que dão prazer, como estar com amigos e a apostar num hobbie. ”
2. Perguntem-se: a que é que querem prestar mais atenção?
“A nossa vida é aquilo para que olhamos.” Ou seja, “quando decidimos a que é que vamos prestar atenção em cada momento, estamos a decidir como é que queremos gastar o nosso tempo.” Agora pensem nisto: “As pessoas que desenham aplicações querem desesperadamente a nossa atenção, porque é assim que fazem dinheiro. Nunca pensaram porque é que tantas aplicações de redes sociais são grátis? É porque os anunciantes são os clientes – e a vossa atenção está a ser vendida. Portanto, perguntem-se: “A que é que querem dar atenção?”
3. Reconfigurar
Criem mecanismos para atingir os objetivos e para não falhar. Exemplos: se querem passar mais tempo a ler, deixem um livro na mesa de cabeceira, se querem cozinhar mais, façam uma lista de compras com a receita que querem testar. Mais: coloquem o carregador num sítio longe e comprem um despertador da vida real.
Cuidado com as tentações. O melhor é apagar aplicações de redes sociais do telefone (usem só o browser), desativem as notificações e criem uma regra: na mesa, os telemóveis não entram.
4. Criar obstáculos
Agarrar no telemóvel e abrir a aplicação de qualquer rede social passou a ser um ato inconsciente. Às vezes só damos conta depois chegarmos ao dia anterior na timeline (e mesmo assim demoramos a perceber que estamos a ver coisas repetidas). Estes atos constantes e repetidos são, segundo a jornalista, “zombie checks”. A solução passa por criar obstáculos pequenos que tornem o ato consciente e sejam capazes de nos fazer pensar. Exemplo: colocar uma fita de borracha à volta do telefone ou bloquear o telefone com código para desbloquear.
5. Prestar atenção ao corpo
Quando estiverem em modo zombie a fazer scroll infinito, parem e pensem: “Como é que está a vossa postura? Quando é que está a vossa respiração? Aquilo que estão a fazer no telemóvel está a fazer-vos sentir bem? Querem mesmo estar a usá-lo naquele momento. Quanto mais sintonizados estiverem com a vossas próprias experiências do momento, mais fácil será mudar o comportamento.”
6. Façam experiências de separação
Quando forem passear, deixem o telefone em casa. Não carreguem o telefone à noite e vão no metro a observar as pessoas ou a rua. No início, vai custar e vão ficar surpreendidos pela vontade que vão ter de usar o telemóvel. Prestem atenção a isto: “Como é que sentem isso fisicamente? O que é que vos está a passar pela cabeça? Continuem a observar e eventualmente a vontade vai desaparecer.
7. Usem tecnologia para se defenderem da tecnologia
Seja com o Moment ou com o Quality Time, meçam a quantidade de tempo que passam a olhar para o ecrã – “e preparem-se para ficar horrorizados”. Outras apps, como o Freedom e o Flipd, bloqueiam o acesso a aplicações e sites mais problemáticos. A Apple agora tem o modo “Do Not Disturb While Driving” (não perturbar enquanto conduz), que envia mensagens de resposta automáticas. Há ainda a Lilspace, que faz o mesmo para o sistema operativo Android e que mostra um relógio no ecrã que mostra o tempo com que conseguiram estar desligados.
8. Usem a imagem das outras pessoas a olhar para o telefone como ferramenta de motivação
Ver alguém a agarrar no telemóvel gera a mesma vontade em nós. Mas a ideia é inverter este impulso: “Quando vejo alguém e mexer no telefone, aproveito para respirar fundo e relaxar (tenho sucesso na maioria das vezes).”
9. Tornem-se existencialistas14
Se tudo falhar, pensem na “vossa própria mortalidade”. Quantas pessoas no leito de morte pensam: “Quem me dera ter passado mais tempo no Facebook”? Mantenham sempre esta ideia presente: é a vossa vida, quanto tempo querem passá-la no telefone?
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