Sesta? Sim, por favor
As sestas são, para a grande maioria das crianças portuguesas com mais de três anos, um luxo.
As crianças que frequentam estabelecimentos públicos de ensino no pré-escolar não dormem sestas e isso sempre foi um dos pontos que mais me preocupava relativamente à minha filha.
No início do ano letivo que agora está perto do fim, a minha filha com três anos acabadinhos de fazer, conseguiu entrar para uma escola pública. Na reunião de início de ano com os pais e a direção da escola o pai dirigiu-se à coordenadora para perguntar como funcionavam as sestas, uma vez que a Mariana ainda tinha necessidade de fazer repouso. Como já sabíamos não haveria sestas. Mas na sua resposta, a coordenadora acrescentou: “mas sabemos que há crianças que precisam de descansar, por isso damos-lhes umas mantas e ele enroscam-se e encostam-se a um canto para dormirem, se conseguirem”. Pois. Eu sei. Estamos a falar de crianças e a imagem é de uns pobres miúdos a caírem de sono, com birra e exaustos a caírem contra as paredes porque não aguentam estar em pé.
Que pai gosta de ouvir esta resposta? Que pai, preocupado com as necessidades do seu filho ficaria tranquilo com este tipo de oferta da comunidade escolar.
A Mariana acabou por não ingressar na escola, por este e outros motivos, para nós igualmente relevantes mas não deixo de pensar neste assunto.
Ela está neste momento numa escola que faz o repouso depois do almoço, repouso esse que lhe é essencial.
Sei que todas as crianças são diferentes, nem todas precisam de dormir, nem sequer de dormir a mesma quantidade de tempo.
Na escola da minha filha as sestas vão de encontro a este facto: há crianças que dormem pouco ou quase nada e que se levantam e vão brincar, outras que precisam de dormir quase hora e meia para acordarem com energia renovada. Há espaço para todos.
Mas também isso termina este ano. Quando falo sobre esse assunto, seja na escola, seja com outros pais, refere-se o facto de estarem a caminhar para a escola primária, onde não se dorme a sesta.
Respiro fundo. A escola primária, para uma criança com três anos, está à distância de outros três anos. São três anos em que para se adaptarem a uma realidade que está no fundo do túnel faz com que sejam obrigados a descansar menos do que podem e deveriam.
“Ah, mas há escolas sem condições para deitar as crianças, há turmas heterogéneas, com crianças dos três aos cinco anos e não dá”. Aqui, como em tudo, o essencial é haver vontade. Os catres onde as crianças dormem não são caros e é um investimento que fica de uns anos para os outros, há com certeza espaço para os colocar nas salas.
E se há crianças que não dormem, então podem ser encaminhadas para outras atividades.
Há também quem diga que por causa do tempo letivo que se exige às educadoras que passem com as crianças, seria impraticável. Fico boquiaberta. Porque acredito (e sou apenas uma mãe a falar do pouco que sabe) – que poderia ter de haver um ajuste no planeamento dos dias, até porque com cinco anos o repouso não precisaria de ser longo, apenas o suficiente para as crianças descansarem – estas mesmas crianças estariam mais despertas e abertas a assimilar informação do que estando cansadas.
O sono é determinante para o desenvolvimento cognitivo e essencial para a sociabilização das crianças.
A Sociedade Portuguesa de Pediatria defende que, a curto prazo, a privação do sono na criança passa por distúrbios na modulação do humor e dos afetos, a perturbação da função neuro-cognitiva, alteração do comportamento e alteração motora.
Como já referi, sei que há crianças que não têm necessidade de descansar, têm pilhas intermináveis e é um tormento para os pais conseguirem que elas durmam uma sesta.
No caso da minha filha, mesmo com o repouso depois do almoço, em que em dias quase dorme a hora e meia, acontece adormecer no caminho para casa. Há dias em que chego à escola (e vou busca-la cedo) e ela está animada e a correr, mas assim que quebra noto o cansaço (também porque as noites têm sido complicadas, estamos numa fase em que precisa de um pouco mais para adormecer e isso rouba-lhe minutos preciosos de sono, mesmo fazendo eu um esforço para que ela se deite mais cedo para precisamente ela dormir tudo o que precisa).
Aquilo que eu defendo é que exista escolha. Que as escolas deem essa possibilidade às crianças. Porque há muitas que precisam. Porque há tantas que não dormem as horas suficientes à noite.
Mais uma vez não defendo que a escola substitua a responsabilidade dos pais, mas que seja um complemento essencial para que muitos miúdos possam crescer saudáveis.
A Academia Americana de Medicina do Sono (American Academy of Sleep Medicine – AASM) divulgou em Junho de 2016 novas recomendações onde estabelece períodos mínimos e máximos adequados a cada faixa etária, tendo sido esta declaração subscrita pela Academia Americana de Pediatria (AAP).
Novas recomendações para as horas diárias de sono:
– Lactentes dos 4 aos 12 meses: 12 a 16 horas por 24 horas (incluindo sestas)
– Crianças de 1 a 2 anos: 11 a 14 horas por 24 horas (incluindo sestas)
– Crianças de 3 a 5 anos: 10 a 13 horas por 24 horas (incluindo sestas)
– Crianças de 6 a 12 anos: 9 a 12 horas sono noturno por 24 horas
– Adolescentes de 13 a 18 anos: 8 a 10 horas sono noturno por 24 horas
Por cá, a Sociedade Portuguesa de Pediatria, no ano passado (2017), recomendou a realização de sestas das crianças no ensino pré-escolar. Alexandra Vasconcelos, médica da secção de pediatria social da SPP disse à Agência Lusa que a falta da sesta nas crianças com idades a partir dos três anos representa um “grave problema de saúde pública”, acrescentando que “se as creches não fornecessem uma refeição toda a gente se indignava. A falta de uma sesta é igualmente grave”. A recomendação da SPP ressalva que, depois dos quatro anos, nem todas as crianças necessitam de realizar a sesta de forma regular pelo que “a família e a educadora de infância deverão avaliar, em conjunto, a necessidade da sua prática em cada criança”.
E é tão isto aquilo em que acredito.
Escolha.
Trabalho conjunto entre pais e educadores.
As crianças a serem avaliadas como indivíduos e não somente como parte integrante de um grupo.
Um futuro melhor.
Para todos e a começar na infância.
Para que possamos dormir todos descansadamente à noite, com a cabeça pousada na almofada.