Ó mãe, elas dizem que a minha mochila é de rapaz!
“Mas, mãe, eles disseram que a minha mochila não é de menina”. Eu ouvi, filha, simplesmente não queria acreditar porque sinceramente há dias em que simplesmente não há paciência. Mas tem de haver. Porque “eles” são crianças. Porque a minha filha é criança e porque é agora que se determina em grande parte o adulto que ela vai ser, assim como os seus pares.
Em relação aos filhos dos outros não há muito que possa fazer, mas é minha missão como mãe orientar a minha filha e por isso respiro fundo.
Contextualizando: a mochila em causa tem quatro cores, amarelo, laranja, vermelho e azul claro. Tem o desenho do Pateta, Pato Donald, a Margarida, o Mickey e a Minnie sorridentes. Foi escolhida precisamente por não ser apenas cor de rosa com a Minnie, a Elsa ou a Ana, a Doutora Brinquedos ou qualquer uma das figuras associadas normalmente a raparigas. E teve esta reacção, o que é mais que justo, ainda que para mim um pouco inacreditável.
Quando comprei esta mochila para a praia tive em mente os seguintes critérios: cabe tudo o que é preciso lá dentro e não é pouco (protector, água, muda de roupa, saco das cuecas, toalha), a minha filha consegue aguentar com o seu peso nas costas e o desenho.
O desenho está em último, mas é importante, daí eu ter-me dado ao trabalho. Porquê?
Porque tento educar a minha filha liberta de preconceitos sociais para que ela possa descobrir por si quem é e do que gosta, sem que os pais a condicionem mais do que o inevitável.
Se lhe tivesse levado uma mochila da Elsa era capaz de dormir inclusivamente agarrada a ela, de tanto que ia adorar. Mas tento que ela abra os horizontes, porque se tem tantas outras coisas da Ela pode perfeitamente ter algumas menos cor de rosa, cheias de outras cores vivas com bonecos de que gosta.
Perguntei-lhe se gostava da mochila. Ela adorou e preparámos juntas tudo para o primeiro dia de praia. Note-se que este incidente aconteceu a três dias do final da praia com a escola, o que me faz lembrar os noticiários em férias em que muitas vezes passam notícias que não são propriamente notícias, mas à falta de melhor…
Depois deste episódio voltei a perguntar se ela gostava da mochila e ela disse-me que sim. E eu disse que era isso que importava.
Depois quis saber por que é que ela achava que os amigos tinham dito aquilo e ela disse que é porque tem aqueles bonecos e não é cor de rosa. E eu expliquei que as crianças, ela e os amigos, podem gostar dos bonecos que quiserem. SE o amigo X gostar de vestir cor de rosa, então que vista. Se gostar da Elsa ou de bonecas, então que goste e possa brincar com elas. Se a Y gostar de carros, bolas e super heróis então que brinque com eles.
“Esta é a tua mochila e quando olho para ela penso sempre que vai contigo para a praia e guarda lá dentro as tuas coisas. E é tão gira, precisamente por causa destes bonecos e destas cores. E tu disseste-me que gostavas dela, por isso ainda bem. Quando olho para ela não vejo uma mochila de menino nem de menina, vejo a TUA mochila. Entendeste, filha?”.
Ela concordou com a cabeça e quando lhe perguntei de que era aquela mochila, ela respondeu “da Mariana”. Abracei-a e disse-lhe que às vezes as pessoas pensam de maneira diferente de nós e devemos ouvi-las para percebermos se achamos o mesmo ou não. Mas que não há mal em pensarmos de forma diferente mas não devemos mudar com medo do que os outros vão achar de nós.
É muito para absorver numa idade especialmente difícil.
Quis também dizer-lhe que nunca devia deixar que ninguém lhe dissesse que não pode ter, gostar ou ser uma coisa só porque é menina.
Vai demorar a interiorizar, mas este discurso tem de existir. Tem de fazer parte. As crianças têm de se sentir livres para gostar de coisas tão simples como uma mochila, caramba. Que futuro nos espera se estiverem sempre à espera de agradar a toda a gente?
Serão infelizes e inseguros.
Bem sei o impacto que os pares e o seu discurso têm nesta fase em que estão a formar os gostos e as personalidades.
Temos de acompanhar e intrometer-nos no essencial apenas.
É complicado, mas é para isso que aqui estamos. Para também gerirmos estas pequenas crises, para que venham a transformar-se em grandes crises.
É um processo de aprendizagem para pais e filhos e em cada casa se defenderá aquilo em que se acredita.
Pela nossa vamos trabalhando para criar uma criança com empatia, confiança qb, espaço para falar sobre os seus medos e expectativas, gostos e (o mais importante) uma opinião própria.
Temos tempo e amor para lá chegar. Do resto o tempo cuida.
Image by lil tzuni